TEXTOS QUENTES

006– IBCI - TAXAS DE JUROS NO BRASIL
E A REFORMA QUE FALTA

Por Istvan Kasznar - PhD.  
istvan@ibci.com.br

__ As taxas de juros cobradas no Brasil pelo sistema financeiro tem chamado a atenção do mundo. Além de sumamente elevadas em termos reais, elas se mantém em patamares proibitivos ao consumidor já faz mais de 20 (vinte) anos o que revela questões e problemas de ordem estruturais no mercado de crédito e na formação da demanda por capital, por tanto no setor privado, quanto público.

__Certamente, não são os bancos e as instituições financeiras que querem cobrar taxas altas dos tomadores. Eles perdem com esta elevação de preços, posto que os clientes se retraem. É a incapacidade do setor público em ajustar-se, rolando eternamente sua dívida que não pára de crescer, que leva a uma sucção descomunal de recursos financeiros. Estes deveriam ser colocados livremente à disposição do mercado. Contudo, não é isto o que ocorre.

__Endividado e sem opções, lutando ao mesmo tempo contra a inflação, o Estado paga um prêmio de risco descomunal, inserido nas taxas de juros, através das notas, letras e obrigações do Tesouro. Ao sugar este dinheiro e manter um depósito compulsório elevado, ele gera uma rarefação no mercado livre. O pouco dinheiro que sobra chega ao tomador a taxas indesejáveis.

__Portanto, juros baixos no Brasil só existirão se o Estado for reformado, dispondo de uma estrutura enxuta e pequena, com alta produtividade. Quando isto irá ocorrer? Não se sabe.

__O que realmente complica o quadro brasileiro, é a baixa produtividade do setor público, aliada à demanda por investimento que amadurecem tão sómente no longo prazo. Para financiá-los, montou-se uma dívida interna mobiliária pública que em novembro de 2005 rondou os 975 bilhões de reais, ou 52% de um PIB aproximado de R$ 1,875 bilhões.

__Pagar e reduzir esta dívida, que sugou R$ 173 bilhões em juros dos cofres públicos em 2005, estabilizando-a, é um desafio maior. Isto não quer dizer que a dívida deva ser extinta ou minimizada.

__O Estado pode e deve utilizar sim, afirmativamente, os mercados de créditos e de capitais, eficientes meios de captação e de aplicação de recursos financeiros. Todavia, ele há de saber controlar os gastos, para no lugar de fazer saídas financeiras pautadas em estruturas de gestão antiquadas geradoras de cabides de emprego e projetos do passado de baixo rendimento, dispor de recursos que alavanquem o desenvolvimento com pagamentos módicos e sustentadores de um equilíbrio macroeconômico de longo prazo.

__Existe um ciclo vicioso que arrebenta com as finanças nacionais. Porque as demandas por projetos públicos são gigantes e crescentes, num país no qual a ação social de governo é imprescindível, já que a distribuição de renda o coloca entre os cinco piores do mundo, a pressão para desenvolver projetos sociais, que maturam só no longo prazo, é enorme. Logo, o Estado se vê auto-justificado, pela pressão de demanda perene por bens e serviços públicos. Como conseqüência, as filas por esses bens e serviços aumentam, e os servidores públicos de Estado, assim como os políticos, não enxergam obrigatoriamente nem a necessidade, nem a premência de se redefinir e modernizar o Estado em suas atribuições, tamanho e dotação orçamentária. Logo mantêm-se a estrutura de custeio pública, que emprega um contingente crescente de pessoal, paga caro pela rotatividade da dívida pública e gera sobras de recursos limitados para o investimento real. Então, o país não cresce e seu risco mantêm-se elevado.

__Mudar internamente é difícil. Quem atua no Estado se sujeita ao rito das hierarquias e das tradições corporativistas públicas. Quem quiser propor mudanças irá contra o status-quo e provavelmente será encostado ou afastado dos centros de poder. A ascenção pessoal é função da manutenção de privilégios alcançados por grupos e de compromissos que mantenham carta pública as conquistas alcançadas.
Isto significa que se ocorrer mudança, ela virá de fora, da pressão da comunidade. Mas isto não é gratuito, até porque o Estado assegura a grandes grupos externos à sua figura, contratos e bons negócios, que perpetuam esta situação.

__Romper com este círculo vicioso, para entrar num modelo de círculo virtuoso, o que é vital, corresponde a fazer no Brasil um mega – New Deal. Este, em sua concepção original foi feito nos EUA entre 1932 – 1946, sob o comando do então presidente Franklin Delano Roosevelt (FDR). Em 1945, FDR morre e seu sucessor, Harry Truman, Completa a obra, grandiosa em investimentos e no redesenho inteiro da maior nação do planeta.
Ciente das falhas sistêmicas, estruturais e orgânicas da norte-américa, ele e sua brilhante equipe, proveniente na base das liberações de pessoal pela iniciativa privada – os famosos golden-boys – criaram mudanças radicais na faceta dos EUA e que perduram até hoje.

__FDR, membro da mais alta elite dirigente, advogado com fortes passagens no Estado e na Marinha, lutou por reformas legais profundas; pelo investimento maciço em infra-estrutura, sendo deste o exemplo máximo o TVA – Tenessee Valley Administration, que gerou grandes barragens e baixos preços na eletricidade; abriu estradas; criou amplos programas de reflorestamento e construção de diques; reformou o mercado de trabalho e investiu em projetos de grande impacto tecnológico.

__Com vontade política e obsessão, ele soube utilizar internamente o aparelho de Estado, para promover mudanças excepcionais no sistema capitalista norte-americano. Em que pesem imensas críticas aos seus feitos, seu sucesso o tornou o único Presidente eleito quatro vezes seguidas. Ele pegara os EUA na bacia das almas, deprimida, estancada, desalentada pela depressão marcada pelo grande crack da Bolsa de Nova Iorque, de 1929.
Os EUA mudaram sua face no meio de um drama radical, com uma taxa de desemprego aberto que em 1931 chegara a 31% da população economicamente ativa.

__No Brasil, os “colchões institucionais” minora nas crises, aliadas a políticas e projetos públicos clientelistas e ao fenômeno de inércia de massas, que parecem postergar as reformas que há décadas são inadiáveis.
Como base e referencia, o mercado olha para a taxa SELIC de juros, negociada nas reuniões do COPOM. Mês a mês esta taxa pode variar, revelando a taxa real de juros, a inflação embutida e o desempenho da prática monetária.

__A taxa SELIC em novembro de 2005 fixou-se em 19% ao ano, o que combinado com a meta inflacionária para o ano, de 5,1%, permite que se defina a taxa real como sendo de 13,23%. Esta taxa é recorde no planeta, sendo a da Turquia de 7,27%, o que cria um espantoso diferencial absoluto de taxas de 5,96% entre o Brasil e a Turquia. O diferencial devido pela taxa real cobrada no Brasil perfaz 45,05%.
Ela pode criar, como acredita-se que cairá para 18% em Dezembro de 2005, e ainda assim permanecerá elevada demais.

__Esta taxa SELIC é referencial, sendo especialmente importante para revelar uma luz sobre as taxas de juros pagas no giro da dívida pública. Isto é, a massa total de recursos devidos pelo Estado Federal, na figura consolidada da dívida mobiliária interna pública, mira-se nesta taxa e engendra o pagamento dos juros devidos aos credores.

__O consumidor pessoa física, ao tomar um crédito, não vê taxas de 18% anuais. Elas são muito mais elevadas, oscilando de 42% a até 443% anuais, em função de decisões que não tem nada a ver com os bancos ou as financeiras. As decisões são do Banco Central, que pela via da política monetária define o recolhimento compulsório, por exemplo, e ao deixá-lo alto suga dinheiro do mercado, deixando-o menos líquido.
O Estado tomador de recursos passa a conta da dívida pública que ele rola ao contribuinte. E este não tem escapatória, se tomar, paga caríssimo. Se aplicar recebe relativamente pouco, em face do spread aberto pelo sistema.

__Em Dezembro de 2004, a dívida líquida do setor público havia alcançado R$ 957 bilhões. Saltou então para 974% em Agosto de 2005 e praticamente chegou a um trilhão de reais em dezembro deste ano.
Em face de uma inflação próxima de 5,1% em 2005, a evolução nacional da dívida em 12 meses foi de 4,49%, abaixo da evolução dos preços, o que é bom e mostra a severidade do ajuste monetário e fiscal.
Contudo, merece atenção a brutal carga financeira em que incorre a sociedade, ao ver o Estado pagar algo próximo a R$ 170 bilhões em juros da dívida interna.

__Fruto da falta de vontade, da incapacidade política, da inapetência e da desmotivação ideológica em mudar, esta sangria representava 31,97% das receitas do Tesouro Nacional em Dezembro de 2004, o que comprova que o Estado está hipotecado à política dos juros altos e é preciso modificar profundamente sua dimensão e estrutura.
Em 2005, as projeções apontavam para receitas do Tesouro de R$ 470 bilhões, aproximadamente. Isto significa que em face de R$ 190 bilhões a pagar, a conta dos juros iria absorver 40,43% do total dos recursos do erário, um valor desproporcional.

__A política monetária ortodoxa contracionista ajuda a combater a inflação e pode domá-lo no curto e médio prazos, às custas de um crescimento econômico medíocre no curto prazo.

__Por outro lado, pela sua retratibilidade e efeito gerador de carências de recursos financeiros na praça, engendra uma dívida que cresce para valores absurdos, beneficia apenas os aplicadores passivos de recursos financeiros (rentistas) e demole os efeitos desejáveis de uma estruturação financeira e orgânica do aparelho público.
O que se espera do setor público é que ele supra e nutra de bens públicos puros e semi-puros a comunidade, mantendo uma estrutura enxuta. Contudo, dadas as peculiariedade do Brasil, as responsabilidades sócio-econômicas que recaem sobre o Estado são descomunais e crescentes.

__Acresça-se que o governo trabalhista vê com desdém o modelo liberal e prefere claramente a estabilização de preços associada a uma governança pública forte e intervencionista, o que significa aumentar ainda mais o tamanho do Estado, usado para acomodar mais interesses partidários, passa-se a verificar que no lugar de dirigir-se a um Estado operoso, o Brasil sustenta o fortalecimento do Estado produtor e normatizador em traços envelhecidos. Mais grave pela falta de reformas, torna-se menos eficiente a política pública, o que repercute em custos sócio-econômicos crescentes.

__Ao manter-se este quadro, as taxas de juros permanecem altas por tempo indeterminado. E desta forma, o desenvolvimento real do país é sustado e postergado sine-die.

 

 

- Este artigo foi cedido à ACREFI, pelo Prof. Istvan Kasznar.
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