TEXTOS QUENTES
008–
IBCI - AS RELAÇÕES RECENTES DO BRASIL
COM O FMI
Por
Istvan Kasznar - PhD.
istvan@ibci.com.br
__O
Fundo Monetário Internacional corresponde a
uma agência supranacional de apoio às
nações que o compõem.
Em suas origens, nos idos de 1.944, o FMI foi concebido
como um ente macro-financeiro, cujo papel principal
seria o de colaborar com as nações que
apresentassem problemas na geração de
equilíbrios em seus balanços de pagamentos
e por isso sofressem problemas de liquidez financeira
internacional.
__Saldar as contas multilaterais
entre países soberanos é imprescindível
e sofrer com problemas de liquidez implica em apertos
de crédito, apoio dado pelos bancos privados,
cujas taxas de juros podem ser maiores, ou ficar literalmente
fora do virtuoso círculo de rotação
de riquezas mundiais. Isto apequenaria o mundo, seu
comércio e suas finanças.
__Portanto, o FMI recebeu
uma digna, nobre e, sobretudo grandiosa incumbência
em sua origem: a de zelar pelo estabelecimento adequado
da liquidez internacional, fomentando as nações
que viessem a apresentar problemas de liquidez temporária.
Ao liberar recursos financeiros a países que
tivessem problemas em equilibrar seu balanço
de pagamentos, gerando-se déficits na balança
de transações correntes e, ou na conta
capital, o FMI pressuporia estar agindo de forma transitória,
temporária.
__Ao longo de um período
ajustado entre a nação soberana e o
FMI, o país adotaria medidas que revigorassem
a capacidade de formar e aumentar a um nível
confortável as reservas internacionais, saindo
dos desconfortos gerados por eventuais momentos de
iliquidez de curto prazo, moratórias, ou calotes
puros e simples das dívidas.
Por esta razão, em seu bojo, o FMI passou a
ter mais que uma função de potencial
e efetivo regulador auxiliar temporário da
tesouraria externa das nações, sob regime
de solicitação de um país membro
de seu fundo.
__Posto que a recuperação
econômica das contas externas de um país
implica na adoção de medidas macroeconômicas,
o FMI passou a propô-las, apresenta-las, promulga-las
e negocia-las por país e circunstância
a enfrentar. E posto que ele é promovido e
alicerçado sobre os conceitos e modelos neoliberais,
capitalistas e empresariais fundamentados na disciplina
monetária, cambial e fiscal dos países
desenvolvidos, nos quais a conquista da estabilidade
macroeconômica se verifica com rigor e atitudes
sóbrias, suas propostas e medidas refletiram
o rigor da política monetária ortodoxa,
sobretudo em sua vertente contracionista, e do controle
fiscal que redimensiona o Estado à capacidade
de pagamento dos seus contribuintes.
__Ao longo do passar
das décadas, percebeu-se que o papel do FMI
era de fato o mais relevante possível. Sua
utilidade tornou-se lendária e notória.
Os países problemáticos passaram a acorrer
aos seus tetos, solicitando ajuda, orientação
e, sobretudo dinheiro. E a qualquer choque internacional,
ocasião na qual um país quebrado inicialmente
poderia deslanchar por efeito dominó uma avalanche
de perdas seqüenciais na formação
das reservas dos países vizinhos ou do mesmo
agrupamento no processo de desenvolvimento, o FMI
cumpria o seu papel de guardião das finanças
internacionais, das nações soberanas,
o que desanuviava a banca privada de operações
e engenharias financeiras complexas e de riscos multilaterais
complexos.
__Foi assim com o esforço
de recuperação das nações
européias no pós – segunda guerra
mundial, quando a Alemanha, a França, a Itália
e a Inglaterra precisaram de bem duas décadas
para recuperar suas economias combalidas e com o Japão,
que sofreu pesados bombardeios norte-americanos que
incineraram a sua economia produtiva industrial. Também
assim foi quando no regime do governo norte-americano
de Ronald Reagan, insatisfeito em perceber que os
mecanismos de controle da moeda não funcionavam,
posto que com o esforço de recuperação
da economia mundial no pós-guerra, o Plano
Marshall e o ímpeto dos empresários,
remeteu-se dólar pelo mundo e 66,65% da massa
monetária em dólares estava em 1980
fora dos EUA. Naquela ocasião, verificara-se
que as taxas médias da prime-rate nos anos
1960 alcançavam os 5,4% anuais e nos anos 1970
chegavam a 6,3%, gerando ampla liquidez e bom conforto
à expansão econômica mundial.
Mas a ameaça de perder o controle sobre o dólar
fez o governo dos EUA puxar as taxas para níveis
estratosféricos, nos anos de 1980 / 1982, a
patamares de 22% a 23% anuais, que num arrastão
ímpar e tenebroso levaram à moratória
a Polônia, o Brasil, o México e mais
19 países. E lá estava o FMI, acudindo
os países inadimplentes, para “recoloca-los
na economia de mercado”.
__Da mesma forma, sucederam-se
outras crises mundiais, freqüentemente apelidadas
pelo país ou continente que as deslanchou.
Assim, foram sucedendo-se nas décadas de 1980
e 1990 as crises do México, da Argentina, dos
Tigres da Ásia, e da Rússia, entre as
mais notáveis.
__E no meio deste ambiente,
no qual interesses, poderes, vaidades e dinheiros
poderosos fazem o caldo de cultura a ser administrado,
os países tomadores, geralmente do bloco dos
subdesenvolvidos e em desenvolvimento, passaram a
estrilar sobre as “ingerências indevidas,
drásticas e pesadas do FMI” em suas políticas
internas macroeconômicas. Adicionalmente, alertavam
que as medidas e condicionalidades propostas equivaliam
a uma forma de intromissão em assuntos e questões
estritamente nacionais, logo a uma ordem externa que
se dissociaria da realidade local e dos interesses
nacionais, a serem mais bem compreendidos e apoiados.
__Isto valeu ao FMI o
rótulo infeliz e que é complicado de
retirar, posto que uma imagem adquirida dificilmente
se dissipa em curto e médio prazo, restando
uma memória, de “insensível às
demandas e realidades dos países em estado
de iliquidez”, especialmente pela ausência
de mecanismos nestes, que pudessem reduzir e aliviar
os intensos efeitos provocados pelas políticas
e medidas sanitizantes sobre as nações.
Afinal de contas, a contração monetária
pode, entre outros, elevar a taxa de juros, contrair
o consumo, reduzir o investimento, aumentar o desemprego,
expandir a ociosidade entre os jovens, lançar
na miséria mais miseráveis em países
sem fundos previdenciários e de apoio ao trabalhador
desempregado e quebrar empresas em ambiente empresarial
frágil e rarefeito.
__Da mesma forma, a proposta
comum do FMI, de corte de gastos de Estado, correta
para equilibrar as contas públicas, em sua
frieza contábil acerta na geração
da disciplina fiscal, mas não considera nem
se sensibiliza com a demissão de pessoal em
locais em que o Estado pode ser o único empregador
relevante, ou a necessidade de gerar políticas
públicas sociais que amadurecem em longo prazo
e afins.
__Esta sensação
de intervenção criou inúmeros
conflitos entre a prestigiosa agência e as nações.
No Brasil, isto não foi diferente. Pelo contrário,
ainda remanescem os rufares dos tambores antiFMI,
nos anos 1980, 1990 e neste início de milênio,
capitaneados com grande alarde pelas ruas pelo PT
– Partido dos Trabalhadores, ora no poder, bradando
a plenos pulmões o inesquecível refrão:
“Fora daqui, o FMI!”.
__Aos olhos do grande
público, o FMI foi diabolizado pelas esquerdas.
E nas horas eleitorais, ele foi utilizado como um
bode expiatório, um mal, um flagelo, um ente
que explicaria numerosas mazelas da nação.
Isto é especialmente verdadeiro na visão
dos nacionalistas e socialistas mais exacerbados,
cuja visão entrópica carece de perspectivas
que valorizam a obtenção de sinergia
com a ampliação das múltiplas
relações internacionais.
__Como se o FMI fosse
responsável por políticas internas mal
concebidas, modelos econômicos e administrativos
frágeis e limitados, equipes de lideranças
assumindo cargos públicos sendo destituídas
de preparo, séculos de descaso com a política
social integrada de grande alcance, um Estado paquidérmico
e indolente sob vários aspectos, a ausência
de controles e cobranças rigorosas e completas
sobre o gasto público, a posse por castas egoístas
do Estado em proveito próprio, entre outros
problemas crepitantes que afligem o Brasil.
__Na verdade, com ou
sem maior diplomacia, o FMI propôs medidas corretivas,
que por mexerem com os interesses estabelecidos e
logo com o poder, podiam sensibilizar e suscetibilizar
as lideranças e elites estabelecidas, assim
como serem usadas como eixo de discussão para
a adoção ou não de políticas
macro e públicas de interesse da nação
pelos partidos opositores. O FMI cumpriu o seu papel,
tant bien que mal.
__Em que pese complexas
críticas aventadas sobre o FMI em meados dos
anos 1990 pelas autoridades estabelecidas no Brasil,
afirmando que ele era defasado, estava ultrapassado
para a dimensão dos problemas internacionais
e não tinha capacidade de regularizar os fluxos
internacionais de capitais porque as cotas de contribuição
ao fundo eram baixas, o órgão manteve-se
firme em seu papel de promotor da liquidez financeira
internacional.
__E mais recentemente,
na virada do século, deu sinais claros e indeléveis
de modernidade, revisando diversos padrões
comportamentais e atitudinais, afeitos às necessidades
nacionais e que permitiram o uso de seus recursos
em grande monta, mais uma vez, quando o Brasil enroscou-se
na crise cambial de 19998/1999 e, sobretudo ao perder
suas reservas internacionais por acumular déficits
no Balanço de Pagamentos que estouraram o seu
caixa em 2.002.
__Naquele ano, as autoridades
estabelecidas fecharam um acordo para receber US$
30 bilhões do FMI, para reequilibrar as contas
externas. Em fim de governo, negociaram com as novas
autoridades, estas advindas das hostes trabalhistas
do PT, a manutenção e o cumprimento
de um novo acordo. Assim, ainda sem governar, o PT
aceitou um crédito que não quereria
negociar noutras condições, de seu detrator
político. Suprema ironia do destino.
__Todavia, dotado de
nobreza, altivez e perseverança no trato político,
o novo governo mostrou maturidade ao aceitar resolver
um problema nacional de até certo ponto curto
prazo, e entender que seus propósitos poderiam
ser alcançados do médio prazo em diante.
__Efetivamente, segundo
a própria visão do FMI, de 2003 em diante,
“a adesão firme do governo a políticas
macroeconômicas prudentes firmou as bases a
favor de uma recuperação sustentável
no crescimento e no emprego, na redução
firme da inflação, e um bom progresso
na redução da pobreza e da desigualdade”,
na visão do Managing Director Rodrigo de Rato,
em janeiro de 2.006.
__O governo operário
viu as medidas de otimização do comércio
internacional, plantada em 1.999 pelo Presidente Fernando
Henrique Cardoso, maturarem em 2.003. Ademais, aproveitou
bem um ambiente econômico mundial favorável
para a expansão comercial e reduziu seu coeficiente
de exposição externa ao pagar dívidas
e minimizar a divida externa. Isto gerou uma crescente
confiança do mercado de capitais na saúde
macroeconômica do Brasil.
__Uma vez paga a dívida
com o FMI, o Brasil deixou de ser tomador a partir
de dezembro de 2.005. Isto é auspicioso e digno
de comemoração, porque mostra que o
país tem uma política macro consistente,
séria, e coerente no plano geral. Muito embora,
naturalmente, haja muito dever de casa por fazer e
polêmicas não faltem. Otimizar já
o desenvolvimento, acelerar políticas integracionistas,
incentivar e motivar a geração imediata
de investimentos, implantar a reforma das estruturas
de Estado, realizar acertos microeconômicos,
obstinadamente priorizar a luta contra a pobreza e
a alienação, assegurar a melhoria do
clima e dos métodos de assentamento empresarial,
entre outros, permanecem sendo tópicos urgentes
da agenda – Brasil.
__Em vez de pagar em
2.007 a dívida com o FMI, o Brasil pagou-a
plenamente e bem antes do esperado. Isto dá
moral à nação, reforça
a sua imagem positiva frente aos credores e investidores
internacionais e prova que de modo diferente do esperado,
o “Fora daqui, o FMI”, ocorreu. Na paz,
com elegância e da forma mais inteligente, pagou-se
o devido e o credor deixou de ter interesses pecuniários
com o Brasil, com o que eventuais e supostas ingerências
não teriam sequer remotas chances de ocorrer.
__Num grau de gentileza
e alinhamentos técnicos mutuamente elogiosos
entre o governo local e o FMI, dos quais não
se tem notícia nas últimas décadas,
os acordos assinados sob o regime de Stand-by Agreement
em Setembro de 2.002 e com montante de US$ 15,46 bilhão
utilizados foram devolvidos por inteiro.
__Certamente, contribuíram
para tanto os dados econômicos brasileiros,
que mostram sob a ótica do FMI uma melhoria
inequívoca do Brasil, conforme mostrado nos
quadros 1 e 2. Esta melhoria não é de
hoje, acontecendo desde 1993/1994, quando o Plano
Real deu um golpe certeiro sobre a insidiosa inflação
brasileira. De 2003 em diante, a adoção
de políticas bem monetaristas, ortodoxas e
disciplinadas contribuíram para achatar ainda
mais a inflação. E finalmente, mesmo
que ás custas de baixos investimentos, o resultado
líquido de caixa do Tesouro tornou-se superavitário.
- Este artigo foi cedido à ACREFI, pelo Prof.
Istvan Kasznar.
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